quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

A Mulher Que Nunca Ganhava Flores



Bia trabalhava em uma floricultura, possuía um talento incrível para confeccionar arranjos. Seus clientes vinham por indicação de amigos e colegas:
- Quer demonstrar um sentimento? Vai na Floricultura da Bia, ela é mágica.
Era procurada por namorados apaixonados, maridos em busca de uma segunda chance, por homens bem sucedidos que tremiam diante da mulher amada, filhos prestando reverências à suas mães, amigos de formandas, mulheres ousadas inovando ao enviarem flores aos seus amantes.
Em cada arranjo, Bia salpicava seus melhores sentimentos e imaginava-se no papel da pessoa presenteada. Via os filhos que não tivera nos arranjos para o dia das mães; tornava-se a formanda do curso que não concluiu diante daquelas frescas flores do campo; o valor inestimável de uma amizade naquela rara orquídea; o amor que jamais encontrou naquelas rosas vermelhas de cabo longo.
Bia preparava ramos de felicidade, felicidade que jamais recebia. Perdia muitas horas refletindo no que lhe faltava para ser merecedora de flores. Doava-se por inteiro quando amava, oferecia a mesma dedicação ao cultivar o amor, às suas flores.
As flores cresciam viçosas enquanto morriam os amores, as ilusões e sonhos.

Numa manhã chuvosa, um homem entrou na floricultura e pediu o arranjo mais sedutor e menos “piegas” que fosse capaz de criar. Bia, ligeiramente incomodada, perguntou-lhe o que ele definiria como piegas: “Piegas são margaridas com ursinhos, abelhinhas, corações ou fitas vermelhas. Nunca lhe dei flores, não quero parecer bobo.”
Bia sorriu ao pensar no quanto um arranjo “piegas” a faria feliz e na estranheza do pensamento do sujeito sobre parecer bobo ter um delicioso rasgo de paixão adolescente. Escolheu suas preferidas para casos de amor, as maravilhosas vermelhas de cabo longo, uma caixa branca, papel de seda, finalizou com um delicado laço de fita marfim e lhe disse: “Sofisticação e simplicidade no arranjo, mas lembre-se, a paixão está no gesto de amor.”
Bia foi para casa triste, imaginando a bela mulher que receberia suas mais lindas rosas. Na certa deveria ser alta e magra, coisa que ela não era, ruiva, olhos azuis, belas pernas. “Será que se eu fosse ruiva, ganharia flores?” Dormiu pensando em pintar o cabelo, pela manhã já havia esquecido.
Abriu a floricultura pensando no dia cheio que viria pela frente, vários arranjos para um enterro, achava interessante este tipo de tarefa, colocar nas flores o sentimento de uma vida inteira.
Dois dias depois, sentiu um desejo enorme de visitar o túmulo da falecida que mereceu tantas homenagens. Soube que era uma mulher de 35 anos, um filho, muitos amigos.
Causa da morte: Suicídio
Bia, aproximou-se do túmulo, havia uma foto da moça, bonita, não era ruiva, nenhum traço de tristeza. Gastou uns minutos imaginando o motivo e foi inevitável pensar:
- Vai ver nunca ganhou flores.

Neste instante avistou uma fita marfim, cuidadosamente colocada sobre a tampa de uma caixa branca, que entreaberta, deixava cair rosas vermelhas de cabo longo.

Evora.Eye
19/12/07

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